Posts Tagged ‘Haiti’

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Jean Milus Rocheman está vivo !

20 de janeiro de 2010

Nosso grupo se sente mais aliviado com o e-mail de Jean Milus Rocheman, recebido antes de ontem à noite. Ele está vivo, mas vive como a maioria do povo haitiano nesse momento, segue seu e-mail;

“Oui, je suis bien.

(Sim, eu estou bem.)

quelque 1 hre de tempts avant le seisme j’ai recu la nouvelle de l’assassinat du professuer, un tres cher a moi, comme un coup de tonorre. peu de temps apres, c’etait la catastrophe.
(Uma hora antes do terremoto eu recebi a notícia do assassinato do professor, muito querido, como um golpe. pouco tempo depois, veio a catástrofe.)
Ma maison s’est effrondree. j’ai tout perdu, tout, tout, tout!!!!!!!. J’ai pu sauver ma peau, parce ce j’etais pas present. Mon neveu qui vivait avec moi depuis s’est sauve miraculeusement. Il etait gravement blesse, mais maintenant ,il commence a se reprendre. Sur 8 personne presente dans la maison, 3 sont mortes. a present, il n ya que des decombres. parler de aider, pour le moment me parait tres difficile, il n’y a pas d’edresse a port au prince
(Minha casa desabou. eu perdi tudo, tudo, tudo!!!!!! Eu pude salvar minha pele, porque eu não estava presente. Meu sobrinho que vivia comigo se salvou milagrosamente. Ele estava gravemente ferido, mas agora, ele começa a reagir. Das 8 pessoas presentes na casa, 3 estão mortas. até agora, só existem escombros. falar em ajudar, pelo momento me parece muito difícil, não existe mais endereços em Port-au-Prince.)
Mes besoins pour le moment sont surtout mes materiels de travail tels que : vetements, hebergement, car je suis actuellement dans rue, Tous mes livres sont disparus ( pres de 200 livres)
(Minhas necessidades pelo momento são sobretudo materiais de trabalho como: roupas, alojamento, porque eu estou atualmente na rua, todos meus livros sumiram, cerca de 200 livros.
mon lap top, ( j’etais entrain de prparer ma these a la faculte) chaussures,  etc,
meu lap top, (eu estava preparando minha tese para a faculdade) calçados, etc,
Donc, je vous presente en gros les besoins, vous choisirez en fonction de votre capacite.
Portanto, eu apresento a vocês de maneira geral minhas necessidades, escolham em função das suas capacidades.
D’ores et deja, je vous remercier pour votre offre, et votre clemence envers moi.
Desde já, eu vos agradeço pela oferta, e sua clemência para mim.
merci pour votre  soutien en moment si difficile.
(obrigado pelo apoio num momento tão difícil.)

salut!”

(Post inserido por Daniel F Q Santos)

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Jean Milus Rocheman e Anil Saint Juste

17 de janeiro de 2010

Cem mil e um mortos no dia 12 de janeiro no Haiti, nunca me esquecerei, nem dos cem mil, nem deste um que se soma ao total.

Antes de ir ao Haiti eu tinha estabelecido contato com Jean Milus Rocheman, jovem militante haitiano que estudou na Escola Nacional Florestan Fernandes, escola de ensino superior do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na cidade de Guararema, interior de SP, próximo a minha cidade, Jacareí.

Rocheman nos visitou duas vezes em Port-au-Prince e em entrevista nos explicou como a fabrica de cimento do Haiti tinha sido privatizada e destruída sistematicamente pelos EUA durante a ocupação estado-unidense. Por este motivo os haitianos pobres que não podiam importar cimento dos EUA construíam suas casas com tijolos de areia.

Impossível esquecer isso no dia do terremoto, vendo aquelas casas desabando como areia

Ele também nos falou sobre o processo de desinvestimento no campo por parte do Estado haitiano, que tornava o Haiti dependente dos EUA em diversos produtos alimentícios, e ocasionava um grande êxodo do campo para a cidade, em construçoes precárias, como vimos em Cite Soleil, que também foi em grande parte destruída durante o terremoto.

Este brilhante jovem haitiano também disse que a Minustah não é uma força de estabilização do Haiti, porque, afinal de contas, como falar em estabilização num país faminto? Como falar em estabilização sem fortalecimento das instituições haitianas? Portanto fica evidente que a Minustah estava no Haiti como força de ocupação, e que não tinha um plano para sair dali, ferindo a soberania do povo haitiano.

No final de sua visita Rocheman nos indicou Anil Saint Juste, professor da Universite d`Etat do Haiti, para falarmos sobre outras questões politicas, que poderia nos passar mais dados sobre a força de ocupação, Minustah.

Ligamos para o professor Anil e marcamos um encontro as 16h do dia 12 de janeiro de 2010. Eu mais dois do nosso grupo estávamos atrasados para o encontro, o trânsito estava caótico. A rua da universidade estava bloqueada, e dois pneus queimavam impedindo o tráfego de carros. Quando descemos do Tap-Tap as 17h, a cidade de Port-au-Prince foi atingida por um terremoto de 7.3 na escala Richter.

Depois descobrimos o possível motivo da manifestação estudantil, o professor Anil, militante engajado ligado aos sindicatos e movimentos sociais haitianos, foi baleado por dois motoqueiros e morreu as 13h naquele mesmo dia, dia do terremoto.

Por conta da manifestação estudantil nos atrasamos para o encontro e não estávamos no interior do prédio da universidade, que ruiu e matou mais de mil estudantes. Por conta da manifestação vários estudantes estavam na rua e se safaram.

Nunca me esquecerei do professor Anil, pesquisarei sua historia, lerei seus livros e teses. Anil Saint Juste, foi mais um morto em Port-au-Prince no dia do terremoto. Mas foi vitima da violência contra os movimentos sociais que cresce cada vez mais. E os outrtos cem mil, vitimas das construçoes de areia, da falta de um Estado forte, falta de um corpo de bombeiros, de hospitais. Me parece que as privatizaçoes e a falta de Estado não são um bom modelo.

Sempre direi, cem mil e um mortos no dia 12 de janeiro.

Até o presente momento não temos notícias de Jean Milus Rocheman. Ele morava num dos bairros mais destruídos pelo terremoto. Aguardamos ansiosamente notícias desse jovem militante haitiano e torcemos para que ele esteja vivo.

Daniel Felipe Quaresma dos Santos

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Roupa lavada e Jean Jacques Dessalines

15 de janeiro de 2010

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Guy Dallemande

15 de janeiro de 2010

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Chen Jambe na Praça Champ de Mars 14.01.10

15 de janeiro de 2010

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Andando pela cidade

14 de janeiro de 2010

Ontem e hoje pude sair pela cidade de Port-au-Prince. O que eu vi foi uma população abandonada tentando se virar na medida do possível. Famílias inteiras sentadas na rua conversando e se ajudando.

Não vi nenhum carro da MINUSTAH nem ajuda internacional. Pessoas tentam tirar os escombros de escolas, das universidades e de mercados, na esperança de que haja alguém vivo lá em baixo. Sem escavadeiras, sem trator.

Em relação a presença de brancos na rua eles queriam dar o depoimento para a filmadora, denunciando o descaso internacional.

Porque os 1300 soldaos brasileiros não saíram na rua pra ajudar a população até agora? 48 horas depois do desastre eu fico com a impressão de que a MINUSTAH só está preocupada com o pessoal da ONU, e nunca esteve no Haiti para ajudar o povo haitiano.

Daniel F. Q. Santos

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Chen jambe 08.01.10

8 de janeiro de 2010

Almoço em Pétion-Ville

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Do centro de Porto Príncipe

8 de janeiro de 2010

O barulho é intenso. Pessoas, animais, carros, objetos e estruturas distribuem-se por caminhos ora tortos ora ordenados. Colunas, desenhos arquitetônicos e materiais abrem-se em figuras criando um espaço nada rígido. Em meio a isso, as pessoas se organizam e vivem suas histórias, estabelecendo relações entre si, com os objetos e com a própria cidade.

Enquanto tudo no centro parece estar exposto e disponível à troca, ao longe, no alto dos morros que circundam a região central de Porto Príncipe, vemos as grandes mansões, enclaves neoclássicos, sem sinal aparente de vida. Me pergunto se essas casas ainda estão ocupadas, e se as pessoas que, por ventura ali vivem, descem para o centro.

Em meio a assimetrias da capital haitiana, abre-se um lugar cheio de cor, movimento e vida, e o centro revela-se uma das partes mais intensas da cidade. A velocidade com que se alteram as determinações ali dá a impressão de que nem as ruas nem as construções estarão lá no dia seguinte. Chama a atenção o fato de que muitas lojas da cidade estão fechadas, numa idéia de abandono, enquanto em frente o comércio ambulante fervilha. Vende-se de tudo e presta-se serviços os mais diversos possíveis em barracas ou em cestos carregados por pessoas. E mais, a aparente escassez dá lugar à multiplicação de fragmentos das coisas, em que remédios são comercializados em pequenas cartelas avulsas e produtos são redistribuídos em embalagens reaproveitadas.

Em muitas das ruas, o chão é carregado de uma massa úmida, cor de cimento, como se um rio tivesse secado ali recentemente, deixando pra trás uma quantidade inimaginável de um lixo vindo de alhures e uma população ribeirinha amontoada em meio à pobreza.

Rodrigo (“Capitão Sírio”)

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Descemos do nosso tap-tap, no Champ de Mars, a principal praça de Porto Príncipe, na região central da cidade e nos deparamos com muita gente pela praça e as ruas ao redor. Os prédios degradados em volta dão a impressão de um passado não muito distante, mas mais colorido e menos decadente; a exceção é o imponente Palácio Nacional, localizado de frente a praça, pintado com sua brancura impecável e indiferente à massa negra que o rodeia. A quantidade de pessoas circulando, vendendo as mais variadas coisas ou simplesmente sentadas em grupos é impressionante. Essa grande movimentação, somada às vozes de uma língua incompreensível para mim, o barulho do trânsito intenso, e a música que vem de vários lugares e em diferente ritmos se entrelaçam num resultado intenso e veloz.

Somos bombardeados por olhares o tempo todo, afinal são 9 brancos andando juntos ali, e uma estranha sensação que nunca havia sentido antes é causada basicamente por chamarmos a atenção (e muita) somente por sermos brancos (e é claro com toda sua significação histórica). As reações das pessoas foram das mais variadas, desde risadas, expressões que me pareciam de intimidação ou o que eram apenas olhares de curiosidade. A presença de uma grande quantidade crianças sempre pedindo coisas e que às vezes nos seguem por vários metros é marcante demais para não ser relatada.

Caminhamos em direção às ruas mais centrais e de repente somos “jogados” em algo que a primeira vista pode ser chamado de um caos gigantesco. É uma das principais ruas da cidade e as pessoas disputam espaço nas calçadas com uma infinidade de vendedores e as ruas com os carros que parecem travar uma batalha para andar em um trânsito absurdo. As informações chegavam numa velocidade intensa e os olhares e reações das pessoas eram ainda mais intensos, com certeza sentidos por todos do grupo. Uma frase do Omar que me lembro nessa hora foi “Eu adoro isso aqui, esse caos é incrível” e confesso que no primeiro instante foi um pouco difícil de concordar, talvez por causa do que parece uma bagunça generalizada, da sujeira, e do mal cheiro.

As calçadas e parte das ruas são tomadas pelos vendedores e suas barraquinhas. Se vende de tudo, de computadores antigos e novos, a celulares e principalmente roupas, sapatos e muita comida. A maioria das antigas lojas estão fechadas, e as casas e sobrados, com suas varandas, se estendem até as ruas, e me fizeram imaginar como eram aquelas fachadas coloridas no passado, e que hoje se encontram decadentes e cores desbotadas.

Ao longo das ruas começamos a perceber, sempre alertados pelo Omar, como aquilo tudo era na verdade um grande mercado e como deve desempenhar um papel fundamental em Porto Príncipe, pondo as pessoas, as mercadorias e as coisas em circulação. O que na primeira impressão era o caos generalizado para mim, o “de fora”, o “blan”, começou a tomar forma e ganhar ordem, e mesmo que isto não seja nem um pouco claro, ganha cada vez mais o meu entusiasmo.

Diego (“Zé Bundinha”)

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Sobre zumbis

7 de janeiro de 2010

Entre as muitas representações recorrentes sobre o Haiti, o vodu certamente se destaca. Quando dizemos que vamos viajar a este país, não sou poucos os que, jocosamente, nos perguntam se podemos trazer os famosos bonequinhos, aqueles que abrem as portas de vinganças sinistras. Outros, de forma não menos jocosa, nos falam dos zumbis, imortalizados pelo cinema norte-americano. O Haiti surge, entre outras coisas, associado a um universo de crenças e práticas mágicas que, concomitantemente, parecem atrair e provocar temor. O que é evidente é que a atração e o temor se combinam com a clara percepção de que se trata da crença dos outros.

Poucos dias no Haiti são suficientes para percebermos que, da mesma forma que a história da revolução e dos países fundadores, que as representações sobre a nação e que o lugar da língua crioula, as crenças e práticas associadas ao vodu perpassam a totalidade da sociedade haitiana, interpelam a própria percepção do tempo e do espaço nacionais e, sobretudo, nos revelam tensões entre os distintos grupos sociais haitianos.

Os zumbis nos levam a um mundo que não se restringe às práticas religiosas. Quando inquiridos sobre os zumbis, nossos interlocutores não têm nenhum problema em afirmar o seu medo e seus contatos prévios com os zumbis. Mas, quem são? Como reconhecê-los?

Os zumbis estão associados à existência de pessoas ricas: aqueles que são capazes de manipular o universo mágico podem controlar um número significativo de zumbis, escravizá-los, fazê-los trabalhar sem trégua, e com isso enriquecer. Os milionários têm zumbis, donos de loja também podem ter zumbis, ou proprietários de terras produtivas: a riqueza de uns está associada ao trabalho dos outros.

Como reconhecê-los? Nosso interlocutor foi claro: quando numa loja, o zumbi é aquele que só trabalha, que não para de trabalhar, que não conversa, que olha para o chão quando inquirido, que apresenta um olhar vazio. O zumbi é aquele absolutamente submisso.

Afinal, quem são os zumbis e qual o seu sentido no moderno Haiti? Estamos diante de uma metáfora forte que diz respeito ao mundo do trabalho: o zumbi é o escravo moderno, e indica que os haitianos estão conscientes que sua revolução ainda não acabou. A luta contra a escravidão e pela liberdade acompanha a todos e a cada um dos haitianos até os dias de hoje. A luta pela independência e contra a escravidão teve início em 1791, e continua até a atualidade.

Omar (“O grande timoneiro”)

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Museu Nacional de Arte do Haiti

7 de janeiro de 2010

Museu Nacional de Arte do Haiti

“Vol de Zombies”, obra de Hector Hyppolite