Desde o terremoto, existe um canto que preenche as ruas. Na escuridão, os desabrigados compartilham tudo o que restou – um pouco de roupa, um resto de água, alguma comida. Do nosso lado do muro, com nossos colchões, um pouco mais de água, mais comida e muito mais roupas, éramos constantemente tocados pelo tom dos cânticos, palmas, e palavras que nos impressionavam, embora não conseguíssemos decifrá-las completamente. Em nossa última noite em Port-au-Prince abrimos o portão de casa e fomos convidados a compartilhar o canto, a dança, o sofrimento e a sorte de estarmos vivos com haitianos que, a partir de agora, vivem nas ruas. As pessoas não param. Os lamentos, em velocidade atroz, se convertem em energia para tocar suas vidas, refazer suas casas, reconstruir sua cidade. São generosas o suficiente para nos abraçar, mesmo sabendo que estamos em situação infinitamente mais confortável que a deles. E que, em breve, estaremos em terra firme, em casa. Eles estão lá, estarão lá, sempre estiveram lá. Deixamos, com grande tristeza, essa cidade que, dia a dia, por golpes fortes e certeiros, aprendemos a amar e respeitar… Esperamos voltar em breve.
Joanna da Hora e Marcos Rosa